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ISSQN e o local da prestação de serviço

terça-feira, 24 de maio de 2011
ISSQN e o local da prestação de serviço

ISSQN e o local da prestação de serviço. Uma nova visão jurisprudencial
Fernando Martins de Sá*


Introdução

O presente trabalho tem por escopo discutir a temática do local onde é devido o recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza face a edição da Lei Complementar nº 116, de 31 de Julho de 2003.

Neste sentido, faz-se necessária a análise Constitucional do imposto, principalmente no tocante à sua extraterritorialidade, a análise do local da prestação contida no artigo 12 do revogado Decreto-lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968, a posição jurisprudencial do STJ quanto à esta delimitação espacial (diametralmente oposta ao texto legal, ferindo os princípios da legalidade e segurança jurídica, transformando a exceção, em regra - imposto devido no local onde o serviço é prestado) e as normas estabelecidas pela Lei Complementar nº 116/2003, bem como um novo posicionamento do STJ, que parece florescer, frente esta novel lei.

A importância do tema é reflexo da insegurança jurídica criada sobre o assunto e que tem constantemente levado diversos prestadores de serviços a recolherem o ISSQN, não raras vezes, em dois ou até mais municípios, devido principalmente a três fatores: a) obrigatoriedade legal de retenção na fonte pelo tomador do serviço em seu Município - responsável tributário; b) disposição expressa da lei pela obrigatoriedade de recolhimento do serviço no estabelecimento prestador do serviço - contribuinte e c) desconhecimento da matéria por parte de pequenos municípios que simplesmente, exigem a retenção ou o recolhimento do imposto em seu território.

Esta conturbada e indefinida relação jurídico-tributária causa transtornos reais e acima de tudo contábeis e financeiros aos contribuintes prestadores de serviços que se vêem obrigados a recolher o mesmo imposto mais de uma vez, fato que seguramente encarece seu serviço ou até o torna deficitário, afinal nem sempre o contribuinte está computando recolher o imposto por mais de uma vez e em mais de um local sobre o mesmo fato gerador.

Este fato por si, demonstra que algo está evidentemente equivocado quanto a interpretação e aplicação da legislação do ISSQN acerca do local em que é devido o imposto.

Não é crível que a cada serviço prestado, principalmente em serviços efetuados em municípios diversos, o contribuinte seja obrigado e onerado a iniciar uma batalha jurídica a fim de decidir qual ente tributante (Município) deverá recair o recolhimento do imposto.

Na imensa maioria das vezes, a própria contratação de advogado, custas judiciais e demais despesas decorrentes desse procedimento são maiores que o imposto devido, levando muitos contribuintes a optarem ao recolhimento duplo, triplo, e calar-se diante desta anormalidade tributária e lastimavelmente crescente.

Soma-se a estas considerações iniciais o surgimento através da novel legislação do instituto da retenção na fonte, em que terceiro (tomador do serviço) é obrigado ao recolhimento do imposto, sendo que, deixando de efetuá-lo, estará sujeito a penalidades maiores até que a do próprio contribuinte, posto que se reveste na figura do responsável tributário.

Com base nestes fatos o presente trabalho visa esclarecer as delimitações impostas pela nova lei geral do ISSQN e qual o posicionamento do STJ, que de acordo com recentes acórdãos, vem modificando seu olhar quanto ao local onde é devido o pagamento do ISSQN.

1 - Histórico

A competência tributária dos municípios brasileiros para instituição do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISSQN recebe contornos constitucionais com a Emenda Constitucional 18, de 1.12.1965, emenda esta que teve por finalidade reformar a Constituição Federal de 1946, vigente na época.

Através dessa Emenda, em seu artigo 15 foi concedida a competência aos Municípios para cobrança do "impôsto sôbre serviços de qualquer natureza, não compreendidos na competência tributária da União e dos Estados". E mais, seu parágrafo único já vislumbrava a necessidade de lei complementar estabelecer critérios de distinção do "imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias", cuja competência era Estadual.

Naquele momento, os municípios brasileiros passaram a ter nova fonte de arrecadação, capaz de incrementar sua autonomia política e financeira, segundo nos ensinam Júlio M. de Oliveira e Carolina R. Miguel(1) .

Ocorre que, referida Emenda não era auto-executável, dependia de regulamentação. Esta regulamentação inicia-se com a promulgação do Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25.10.1966, que tratava especificamente do ISSQN em seus artigos 71 a 73.

Fortaleza, no Ceará, foi pioneiro na cobrança do ISSQN, já em 1966, com a promulgação da Lei nº 3.330 em 30 de novembro daquele ano.

No ano seguinte, 1967, vários outros municípios passaram a promulgar suas leis específicas.

Já neste momento surge a necessidade de delimitação do local da prestação do serviço, pois conflitos entre municípios rapidamente surgiram.

A primeira destas normas foi o Ato Complementar nº 36, de 13.3.1967.

Ele estabelecia, em seu artigo 6º, que seria considerado local da operação para efeito de ocorrência do fato gerador do imposto, para empresas que prestassem serviços em mais de um Município: a) o local onde se efetuar a prestação do serviço, no caso de construção civil ou quando o serviço fosse prestado, em caráter permanente por estabelecimentos, sócios ou empregados da empresa, sediados ou residentes no Município; ou b) o local da sede da empresa, nos demais casos.

Referido ato complementar previu duas exceções, porém vinculou, como regra geral, que o imposto era devido no local da sede da empresa. Essa regulamentação não foi suficiente para encerrar e aclarar os conflitos de competência entre municípios e contribuintes, mormente no que concerne ao conceito de sede da empresa.

Neste ínterim, em 20 de outubro de 1967 foi promulgada nova Constituição, cujo artigo 25, inciso II, assim previa:

Art. 25. Compete aos municípios decretar imposto sobre:
I - (...)
II - serviços de qualquer natureza não compreendidos na competência da União ou dos Estados definidos em lei complementar
Há de se observar ainda, neste artigo, a necessidade de expedição de lei complementar definindo e delimitando quais os serviços passíveis de serem tributados pelo ISSQN.

Posteriormente foi editado o Decreto-Lei nº 406, de 31 de dezembro de 1968(2) , que revogou todas as disposições sobre ISSQN e ICM existentes no Código Tributário Nacional, definindo inclusive a lista de serviços tributáveis pelo ISSQN.

Citado Decreto-lei tratou, em seu artigo 12, de definir o local da prestação do serviço na seguinte dicção:

Art. 12. Considera-se local da prestação do serviço:
a) o do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, o do domicílio do prestador;
b) no caso de construção civil o local onde se efetuar a prestação.

Depreende-se desta redação, ser o ISSQN devido no local do estabelecimento prestador ou em sua falta, no domicílio tributário do prestador. Única exceção, o caso de construção civil, que deverá ser recolhido no local em que se efetuar a prestação.

A Constituição seguinte de 1969, sua Emenda Constitucional nº 01/69 e a atual Constituição de 1988, não modificaram a essência do ISSQN, mantendo a competência dos municípios para instituí-lo.

Atualmente esta delimitação está prevista no artigo 156, inciso III da Magna Carta Brasileira.

Dentre as críticas doutrinárias acerca do local da prestação do serviço e consequentemente a definição do ente tributante competente para cobra-lo, uma das mais eloquentes diz respeito à definição de estabelecimento prestador, fato que deu azo a diversas interpretações e posicionamentos. A matéria será analisada em capítulo próprio.

O imbróglio do local da prestação de serviços e de sua respectiva incidência em determinado Município, cotidianamente vem aumentando. Uma verdadeira e interminável guerra fiscal entre municípios se instaurou. E quem tem ficado com a conta é o contribuinte.

Certamente no intuito de dirimir estas guerras fiscais, de aclarar a matéria relativa ao critério espacial e principalmente de determinar o ente tributante (Município) em que é devido o ISSQN, foi promulgada em 31 de julho de 2003 a Lei Complementar Federal nº 116.

Citada lei revogou quase que na íntegra o Dec.-lei nº 406/68 e suas alterações, no tocante ao ISSQN, permanecendo em vigência o artigo 9º, que não é objeto deste estudo, porém, abre-se um parênteses apenas para dizer, que a não revogação do artigo citado é inexplicável por parte do legislador.

Pois bem.

A LC 116/2003 trouxe em seus artigos 3º e 4º as redações delimitando o local onde considera devido o ISSQN, e mais, inseriu as diretivas que se deve entender por estabelecimento prestador.

Seguramente no afã de elidir as controvérsias a respeito e fixar com segurança o critério espacial da incidência do ISSQN.

Eis os artigos citados (para fins didáticos serão supridos os incisos, que serão oportunamente discutidos, idem aos parágrafos, pois não fazem parte deste trabalho):

Art. 3o O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
(...).
Art. 4o Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

Este um breve relato histórico da tributação do serviço no Brasil, com ênfase na evolução legal do critério espacial adotado para determinar o local devido para incidência do ISSQN.

2 - Limites da competência tributária municipal

A fim de desenvolver a matéria em estudo imprescindível inicialmente estabelecermos as regras matrizes da competência tributária dos Municípios para instituírem seus tributos, considerando, neste trabalho, como diretrizes básicas do ISSQN o seu fato gerador, a definição dos sujeitos passivos, os serviços tributáveis, as alíquotas, a não incidência do imposto e o local da prestação.

2.1 - Autonomia dos Municípios

Destarte, faz-se necessário delimitar a autonomia municipal para instituir suas próprias leis tributárias.

Por autonomia pode-se entender a faculdade cominada pela Constituição Federal a determinado ente político em editar suas próprias normatizações legislativas, dispor sobre seu governo e organizar-se administrativamente.

Corolário lógico desta autonomia vem contido no limite delineado pela própria Constituição.

No caso dos Municípios referida autonomia surge nos artigos 29 e 30, da Constituição Federal. Aires Franco Barreto(3) , nos ensina:

O princípio da autonomia municipal expressa-se, especialmente, pelas disposições veiculadas nos arts. 29 e 30, da Constituição Federal. O primeiro deles contempla a autonomia política, outorgando ao Município o direito à eleição de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores (inciso I), enquanto o art. 30, por seu inciso I, ao atribuir aos Municípios competência para legislar sobre assunto de interesse local, confere-lhes autonomia administrativa. Esse mesmo dispositivo, em seu inciso III, ao conceder-lhes competência para instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, contempla a autonomia financeira.

Tem-se, pois, nesses preceitos, o tripé que demarca a latitude da autonomia municipal: autonomia política, administrativa e financeira.

Na atual Constituição, o conceito de autonomia deve ser extraído das três características fundamentais: instituição e arrecadação dos tributos de sua competência, eleição dos seus governantes e organização administrativa de tudo quanto seja predominantemente de interesse local.

Verifica-se assim que a autonomia municipal é plena no exercício do poder tributário que lhes foi conferido, tal qual a autonomia dos Estados e da União. Esta prerrogativa permite aos municípios a qualidade não só para disciplinar legislativamente os tributos próprios, como para exercitar as atividades administrativas inerentes à sua arrecadação e sua fiscalização.

Daí se depreende que cada entidade municipal pode, dentro do âmbito de sua competência, legislar sobre fato gerador, base de cálculo e alíquota, inclusive regulamentando os procedimentos de fiscalização, lançamento e arrecadação, disciplinando ainda normas relativas ao processo administrativo fiscal.

Em síntese, compete aos Municípios praticarem os atos que melhor lhe aprouver no intuito de lançar, arrecadar e fiscalizar os tributos de sua competência.

Vale ressalvar que este 'poder' tributário encontra suas limitações constitucionais e infraconstitucionais a que qualquer sujeito ativo (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal) está obrigado a observar.

Faz-se outra ressalva neste momento, que todas as menções a Município devem levar em consideração o Distrito Federal, pois a este competem os impostos municipais previstos constitucionalmente nos termos do artigo 147, in fine:

Art. 147. Competem à União, em Território Federal, os impostos estaduais e, se o Território não for dividido em Municípios, cumulativamente, os impostos municipais; ao Distrito Federal cabem os impostos municipais.

Neste ponto, fácil perceber que em termos de ISSQN estamos diante de um arcabouço de 5.561(4) leis tributárias municipais, além dos demais atos regulamentares (decretos, portarias, ordens de serviço etc.).

Portanto, inevitável concluir que ocorram conflitos legais entre os Municípios, caso estes tenham ampla e irrestrita autonomia para instituir suas normas inerentes à incidência, local da prestação, descrição dos serviços tributáveis. O caos maior imperaria.

2.2 - Limitações da Lei Complementar Federal

A fim de delimitar estes conflitos o legislador federal valeu-se da prerrogativa prevista nos incisos I a III do artigo 146 e no inciso III do artigo 156, ambos da Constituição Federal para editar a Lei Complementar nº 116/2003.

Art. 146. Cabe à lei complementar:
I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;
c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.
Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
(...)
III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

A esse respeito a lição de Edmar Oliveira Andrade Filho(5) :

Várias são as funções que a Lei Complementar 116 desempenha na ordem jurídica nacional, o que decorre, em princípio, de seu quíntuplo fundamento constitucional de validade. De fato, a referida Lei atende ao disposto nos incs. I a III do art. 146 da Constituição Federal porque: a) contém normas sobre conflitos de competência entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; b) regula, em alguns aspectos, as limitações constitucionais ao poder de tributar, em especial os casos de imunidade, e c) estabelece normas gerais de direito tributário que devem ser observadas pelos Municípios e pelo Distrito Federal quando do exercício da competência tributária que lhes é outorgada pela Constituição Federal. É veículo normativo de definição dos serviços tributáveis, conforme previsto no art. 156, III da Constituição Federal e, por fim, atende ao disposto no art. 88 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com redação dada pela Emenda Constitucional 37, de 12.06.2002.

O intróito efetuado tem como intenção demonstrar que a Lei Complementar nº 116/2003 tem fundamento de validade nos artigos 146 e 156 da Magna Carta, funcionando como norma geral e nacional na regulamentação do ISSQN.

Neste sentido ainda, considerando que suas disposições guardam estrita consonância com as determinações constitucionais "que lhe serviram de fundamento de validade, as leis municipais não poderão assim contrariar a determinação da norma infra-constitucional nacional", leciona Renato S. Ungaretti (6) .

Ao analisar a ADIN 1089-DF - que tratava do caso do ICMS sobre transportes aéreos - em seu voto-vista o Ministro Ilmar Galvão destacou que o objetivo da lei complementar não é o de instituir impostos, mas "prevenir conflitos de competência e estabelecer normas gerais acerca de, entre outros elementos, estabelecimento responsável e local da prestação".

Em vista destes entendimentos, a lei complementar, por suas características específicas é norma abstrata tendo como fim precípuo padronizar a edição das leis municipais, visando sua uniformização, evitando-se com isso, ao menos na teoria, a confusão legislativa entre os municípios na instituição de suas leis municipais tributárias. Este entendimento já vem encampado desde a instituição do Dec.lei 406/68.

2.3 - Instituição do ISSQN por lei municipal

Demonstrado que os municípios possuem autonomia para instituir seus tributos e administrá-los da forma que lhes aprouver, resguardadas as limitações constitucionais e infraconstitucionais, passemos ao estudo de sua instituição por lei complementar.

Abre-se um parêntesis, para dizer justamente que, por esta autonomia reconhecida pela Constituição, a lei complementar não poderia delimitar e tampouco impor quais sejam os serviços tributáveis, haveria uma interferência maligna e contaminante neste conceito, pois, se os municípios possuem autonomia legislativa, em matéria tributária, ele é o ente tributante e, portanto ele, Município, é que poderia definir, dentro do seu território, o quê e quais são os serviços que devem ser tributados. Nesta linha de raciocínio, a lei complementar deveria delimitar os conceitos de serviços, porém, nunca discriminá-los.

A esse respeito Aires F. Barreto(7) :

A lei complementar cabe para estabelecer normas gerais, nas hipóteses de conflitos de competência ou para regular limitações que estão postas na própria Constituição. A lei complementar, a pretexto de estabelecer normas gerais, não pode inovar, ampliar ou restringir o que está posto na Constituição, porque os limites, os lindes das respectivas competências, estão nitidamente traçados na própria Constituição.

Corroborado por José Eduardo Soares de Melo(8) :

Entretanto, o STF firmou a diretriz de que é taxativa a lista de serviços (RE 77.183-SP, Pleno, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, j. 19.4.74, RTJ 73/490), embora admita interpretação ampla e analógica (RE 75.952-SP, 2ª. T. - Rel. Min. Thompson Flores - j. 29.10.73, RTJ 68/198).

Seguindo nosso raciocínio.

No caso do ISSQN a delimitação infraconstitucional vem delimitada atualmente pela Lei Complementar nº 116/2003.

No entanto, a promulgação da citada lei federal, não basta aos municípios, isto porque, sua promulgação não concedeu imediata vigência a cada sujeito ativo municipal. Estes devem instituir leis próprias.

Isto efetivamente o que significa autonomia dos entes tributantes. A previsão constitucional do art. 156, inc. III não pode ser entendida como impositiva, mas como direito a ser exercido.

Todo Município deverá instituir sua lei própria relativa ao ISSQN, mediante lei ordinária. Há casos em que a Lei Orgânica do Município exige, quando se trata de matéria tributária, a promulgação de Lei Complementar.

Nesta linha ainda, os municípios que já possuem lei sobre ISSQN vigentes, devem se adequar às diretrizes impostas pela LC 116/2003. Caso haja inobservância a estes preceitos, a legislação municipal desatualizada será ilegal no que conflitar com a lei complementar atualmente vigente.

Deste fato se conclui que, lei municipal que esteja em dissonância com a norma federal geral e abstrata, seguramente está tacitamente revogada ou é ineficaz quanto aos efeitos de sua vigência e alcance.

De maneira didática, nos ensina Eduardo Sabbag(9) :

Em face do princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, I da CF; art. 97 do CTN), para que os Municípios possam cobrar o ISSQN dos prestadores de serviços, devem instituí-lo por meio de lei ordinária própria, ou poderá adotar todos os itens da Lista de Serviços anexa à lei complementar, ou apenas alguns deles, sendo-lhes, porém, defeso criar serviços não previstos nessa norma complementar, sob pena de inconstitucionalidade.

Em suma, para validação de lei municipal é necessário: a) que seja instituída lei municipal por cada ente tributante; b) que o Município possua lei nos termos estipulados pela lei de regência federal; c) que a lei municipal não seja conflitante com os ditames legais gerais instituídos pela lei complementar federal e d) que seus conceitos inerentes ao local da prestação de serviço não contrarie o disposto na regra geral e universal.

3 - Estabelecimento prestador

A definição de estabelecimento prestador torna-se imprescindível para determinar o local em que o ISSQN é devido.

Ocorre que quando da edição do Dec.-lei nº 406/68, seu artigo 12 limitou-se apenas a designar que a regra de incidência do ISSQN seria no local do estabelecimento prestador do contribuinte, ou na sua falta, o local do domicílio do prestador.

Não há de se esquecer que anteriormente ao Dec.-lei de 1968, havia, como já citado, o Ato Complementar nº 36/1967 estipulando como regra o "local da sede da empresa".

A partir destes preceitos legislativos, surgiu a necessidade de se determinar doutrinariamente qual o conceito de estabelecimento prestador, afinal, nem sempre a sede da empresa poderia ser o estabelecimento prestador do serviço.

Nesta interpretação, por exemplo, uma filial da empresa, localizada em Município diverso do qual está localizada a sede da empresa, tendo efetivamente prestado o serviço deveria recolher o imposto no Município no qual está sua sede e não no Município em que está a filial e que deveria ser o local do recolhimento do imposto.

Denota-se que o conceito precisava ser aprimorado.

Em princípio pode-se determinar estabelecimento, resumidamente, em unidade econômica. Logo, estabelecimento não pode ser confundido com empresa.

Esta se tipifica por possuir atividade organizada que produz bens ou serviços. Aquele é o órgão promotor das ações ou movimentos das empresas.

Para Carvalho Mendonça(10) :

Estabelecimento comercial (...) designa o complexo de meios idôneos materiais e imateriais pelos quais o comerciante explora determinada espécie de comércio; é o organismo econômico aparelhado para o exercício do comércio.

A definição de Carvalho Mendonça é consistente com o Código Civil atual (Lei nº 10.406/02) conceituando estabelecimento como fundo de empresa ou fundo de comércio, o que torna inviável a utilização deste significado para o sentido do Direito Tributário.

Esta definição clássica de estabelecimento forçosamente leva-nos ao entendimento de que estabelecimento prestador é aquele da sede ou mesmo filial, porém com sólida estrutura administrativa instalada.

Esta a conceituação inclusive dada pelo Direito Internacional na explanação de Alberto Xavier(11) quando afirma:

(...) entre nós, as convenções sobre a dupla tributação - que seguem de perto o art. 5º do modelo OCDE - definem estabelecimento permanente como a instalação fixa de negócios em que a empresa exerça toda ou parte de sua atividade.

Compartilhando desse ensinamento Heleno Torres(12) , vai além e nos baliza com elementos inerentes ao conceito de estabelecimento permanente:

1. a presença de uma base fixa (no Estado), que pode ser entendida como a própria instalação, necessária para a identificação de um centro de imputação jurídica, de referência, aos fins tributários;
2. a permanência (estável) da instalação;
3. a sua conexão ao exercício normal da empresa (matriz):
- evidenciada na sua idoneidade produtiva;
- sendo a atividade produtiva posta em desenvolvimento e realizada por meio da própria organização (estabelecimento permanente).
(...) instalação fixa é, presumivelmente, constituída por objetos corpóreos presentes em um lugar determinado, como predisposição de instrumentos idôneos para alcançar certo resultado econômico ao qual possa ser referido todo e qualquer tratamento jurídico fiscal. O importante é que seja um espaço circunscrito no qual possa ser exercida, no todo ou em parte, a atividade da empresa.

Estas noções, advindas dos ramos do Direito Comercial - hodiernamente designado de Direito Empresarial - e do Direito Internacional nos demonstram características comuns entre estes ramos do direito na definição de estabelecimento, os quais podemos descrever como o local onde se realiza a atividade empresarial, identificado por um complexo de objetos organizados de modo a permitir a realização de um fim econômico, referendado pela lei tributária como centro de imputação jurídica, isto é, designando como o local onde o fato, previsto pela norma legal, tenha sua ocorrência concreta e material.

Já Pierre Broallier(13) pondera que não deve deixar de ser considerado estabelecimento qualquer unidade econômica, pelo simples fato de ser maior ou menor a autonomia de seus diretores ou administradores. E complementa esclarecedoramente dizendo ser a diferença de grau e não de natureza.

Para Edvaldo Brito(14) o interessante na definição é saber "onde está o estabelecimento prestador dos serviços, pois onde ele existe, aí paga o ISS".

Esta falta de definição legal, durante toda a vigência do Dec.-lei 406/68, sobre o que se entenderia por estabelecimento prestador caracteriza-se no 'tendão de Aquiles" da obrigação de pagar o ISSQN.

Alguns autores, críticos a esta falta de previsão legal, questionavam veementemente a falta de conceituação de estabelecimento prestador por parte do legislador pátrio, principalmente em razão de que esse mesmo legislador estabeleceu, para a hipótese de incidência do ICMS, a definição concisa de estabelecimento.

Certamente se houvesse esta definição visando a caracterização de estabelecimento prestador, teriam andado melhor nossos legisladores.

Naquele imposto (ICMS), por dispositivo legal, Lei Complementar nº 87, de 13.9.1996(15), a definição de estabelecimento deu-se na seguinte dicção: "local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiros, onde as pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontram armazenadas mercadorias".

E mais, na impossibilidade de determinação direta do estabelecimento, considera-se como tal "o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação".

Determina ainda, a legislação, que cada estabelecimento do mesmo titular seja autônomo entre si.

Por fim prevê que o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado será considerado um estabelecimento autônomo.

Referida conceituação de estabelecimento tem efeitos quanto à instituição daquela lei complementar, portanto, não ferindo nenhum conceito de Direto Privado na caracterização de estabelecimento empresarial.

Sua aplicação é limitada no âmbito espacial do ICMS, servindo de norte para delimitação do que se entende por estabelecimento para incidência desse imposto Estadual.

Esta determinação que a grande, quiçá uníssona, maioria dos doutrinadores que se debruçam sobre o imposto municipal, clamava por existir. Uma determinação legal e geral disciplinando o conceito de estabelecimento prestador.

Entrementes, em vista desta lacuna legal, e em obediência ao contido no artigo 12 do Dec.-lei 406/68, vigia o entendimento de que o local da incidência do ISSQN era o do estabelecimento prestador.

Entendendo-se este como o local físico em que houvesse uma unidade econômica, um estabelecimento, que pudesse ao menos caracterizar um ambiente em que o prestador estaria apto a desenvolver suas atividades.

A única exceção a essa regra, como já dito, estava adstrita às atividades de construção civil, posto que devido o imposto no local onde se prestava efetivamente o serviço.

Todos os demais serviços tinham incidência onde houvesse o estabelecimento prestador devidamente caracterizado ou, na sua falta, no domicílio do prestador.

Assim, muitos municípios circunvizinhos das grandes cidades brasileiras, capitais em especial, valendo-se do conceito de estabelecimento, determinado pelo Direito Privado, à falta de previsão legal específica, vislumbraram a possibilidade de atrair os prestadores de serviços estabelecidos nos grandes municípios com a proposta de alíquotas sensivelmente mais atraentes.

Afinal, caracterizava-se o estabelecimento prestador em Município vizinho, e lá seria tributado o imposto, pois a única exceção era a construção civil.

A idéia é simplista.

Um determinado prestador de serviços possui seu estabelecimento no Município A e presta serviços em diversos municípios (B, C, D, E ...), será tributado pelo Município A, pois é nele que se caracteriza seu 'estabelecimento prestador'.

Bernardo Ribeiro de Moraes(16) , estudando a questão assim exemplifica:

O Decreto-lei nº 406, de 31.12.1968, não considerou relevante o princípio territorial da incidência do ISS. Ao contrário, adotou como regra principal ou geral a da incidência do imposto municipal em razão do estabelecimento prestador (art. 12, "a") ou do domicílio do prestador (art. 12, "a"), deixando como regra excepcional a da incidência do ISS em razão do local onde se realiza a prestação de serviços (art. 12, "b"). No ISS, em geral, não se leva em conta o local da ocorrência do fato gerador (..).

E conclui:

A lei faz referência a "estabelecimento prestador". Assim, qualquer estabelecimento do contribuinte poderá determinar o local da incidência do ISS, pouco valendo a importância do estabelecimento (sede, matriz, filial sucursal ou agência), ou o local onde esteja centralizada a escrita. O essencial é que referido estabelecimento seja o "prestador" do serviço e não outro.

Por fim, Edison Corazza(17) , citando as palavras de Aires F. Barreto consigna que "a doutrina (em sua maioria) e a jurisprudência dominante caminharam no sentido de ser devido o ISSQN no Município em que localizado o estabelecimento prestador, a despeito de os serviços serem executados em Municípios diversos".

Eis a celeuma.

Municípios menores passaram a 'captar' prestadores de serviços, objetivando melhorar suas arrecadações, ao mesmo tempo em que propunham uma redução na carga tributária do contribuinte. Valendo-se, da inexatidão do conceito de estabelecimento prestador.

3.1 - Conceito de extraterritorialidade

É cediço, como afirmado no tópico anterior, que muitos municípios sorrateiramente passaram a se apoderar de importâncias monetárias que não lhes seriam devidas, pois simplesmente abrigavam ou acobertavam sob seu manto o tão propalado estabelecimento prestador.

Na prática o serviço era prestado em Município diverso, mas o imposto devido ao Município abrigador da pessoa jurídica prestadora.

A opção do legislador pátrio em determinar o recolhimento do imposto no território em que se encontra o estabelecimento prestador (lex domicilii) em detrimento do critério constitucionalmente estabelecido (lex loci actus), em consonância com o artigo 30 da Constituição (competência para legislar sobre assuntos locais), gerou, sem sobra de dúvidas, a grita de Municípios lesados e de parte da doutrina especializada.

Entende-se por esta competência, para legislar sobre assuntos locais, a delimitação espacial constituída por cada território municipal.

Dita delimitação constitucional estabelece que dentro de sua área territorial, o Município, pode estabelecer suas regras; porém tais regras, não podem extravasar e, tampouco transpor a circunscrição territorial desse Município. Matéria tratada no item 2.3.

Para facilitar o entendimento, imagine-se o Município A instituindo seu IPTU e seu ITBI (outros dois impostos de competência dos municípios). Suas leis instituidoras não podem regular o IPTU ou ITBI do Município B, seja qual for a intenção.

Há nítido conflito de competência e invasão constitucional ao poder de tributar de entes tributantes diversos (municípios A e B).

Aires F. Barreto(18) , novamente solicitado, nos ensina:

Como toda outorga de competência envolve uma autorização e uma limitação, tem-se que, de um lado, a Constituição confere aos Municípios competência para exigir ISS relativamente a fatos ocorridos em qualquer lugar dentro de seus respectivos territórios; mas, de outro, proíbe-lhes a cobrança desse imposto fora desses limites. Ora, como o território nacional está integralmente segmentado em Estados e Distrito Federal e aqueles estão divididos em Municípios, o certo é que não há espaços que não pertençam a este ou àquele Município (ou ao Distrito Federal). Logo, nenhum Município (nem o Distrito Federal) pode, sob pena de invasão de competência alheia, pretender ISS sobre fatos ocorridos fora de seu território.
Não é incomum, portanto, que dois legisladores se entendam igualmente competentes para criar tributo tomando fatos de igual natureza. Nesse caso, há conflito de leis tributárias. É a área de conflito aquela materialmente demarcada pelo Constituição, onde razoavelmente este fato pode dar-se.

Na mesma direção caminha a crítica contundente ao texto do Dec.-lei 406/68 feita por Marçal J. Filho(19) :

(...) o art. 12 do Dec.-lei 406 entendeu de firmar competente para o ISS o Município do "local da prestação do serviço". Se até aí a disposição era inócua, o lastimável foi a determinação de local da prestação de serviço ser o do estabelecimento do prestador ou, na ausência de estabelecimento, o do domicílio do prestador (excetuando o caso de serviço de construção civil). (...) ora, quer o critério adotado, quer o raciocínio em que se fundou são descabidos, porque incompatíveis com a Constituição Federal e com os princípios por ela consagrados quanto à atividade tributária do Estado.

Percebe-se que a territorialidade cria uma reserva exclusiva para a aplicação das leis do Município sobre os fatos juridicizados que ocorrem dentro do seu território.

Em síntese, a legislação infraconstitucional determina ser devido o ISSQN no Município onde se localiza fisicamente o estabelecimento prestador, ainda que o serviço seja prestado em Município diverso.

Nossa Constituição Federal veda expressamente a invasão de competência legislativa de cada entre tributante (sejam os Estados ou os Municípios).

Serviço prestado em determinado Município, lá deve recolher o imposto, independentemente do Município em que esteja localizado o estabelecimento prestador.

Essa questão bateu as portas do Judiciário.

Após amplo debate o Superior Tribunal de Justiça pacificou seu entendimento no sentido de ser devido o ISSQN no local da prestação do serviço, independente de onde se encontrava localizado o estabelecimento prestador.

Neste sentido, o posicionamento do STJ resumido em única Ementa que expressa todo o arcabouço de anos no tocante ao local da prestação do serviço de ISSQN:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Tributário. ISS. Competência. Município do local da prestação do serviço. Entendimento pacificado neste Superior Tribunal de Justiça. REsp nº 525.067/ES. Relator: Min. Franciulli Netto. Brasília, DF, 28 de outubro de 2003.

O conteúdo do referido julgado é salutar e esclarecedor:

A egrégia Primeira Seção desta colenda Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento de que o Município competente para realizar a cobrança do ISS é o do local da prestação dos serviços, onde se deu a ocorrência do fato gerador do imposto. "De acordo com a Constituição, este imposto só pode alcançar os serviços de qualquer natureza (exceto os referidos no art. 155, II, da CF) prestados no território do Município tributante. Por quê? Porque nosso Estatuto Magno adotou um critério territorial de repartição das competências impositivas que exige que a única lei tributária aplicável seja a da pessoa política em cujo território o fato imponível ocorreu" (Roque Antonio Carrazza, in "Curso de Direito Constitucional Tributário", 18ª ed., Malheiros Editores, São Paulo, p. 844). Recurso especial provido.

Nitidamente o posicionamento adotado pelo STJ, s.m.j., visou mais combater as fraudes efetuadas por contribuintes e municípios coniventes, do que propriamente ater-se ao intento do legislador, posto que nitidamente em contrassenso ao princípio da legalidade, privilegiou o princípio da territorialidade da tributação.

José Eduardo Melo(20) , criticou veementemente esse posicionamento do STJ, ao afirmar que a:

(...) jurisprudência firmada pelo STJ incorre em manifesta antinomia constitucional, porque, se de um lado prestigia o princípio da territorialidade da tributação, harmonizado com o princípio da autonomia municipal (competência para exigibilidade de seus próprios impostos); de outro, implica ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que se choca com a clareza do preceito do Dec.-lei 406/68, em face do que o STF deverá solucionar o impasse afeto à constitucionalidade do preceito.

Notoriamente este posicionamento jurisprudencial e definitivo do STJ sobre o assunto, não aparou as arestas existentes.

Não raro, vários Municípios, utilizaram-se do posicionamento jurisprudencial para exigir o recolhimento do ISSQN de prestadores de fora do seu Município, quando o serviço era prestado em seu Município.

Porém, continuavam a exigir de seus contribuintes, entendidos aqueles que lá possuíam o 'estabelecimento prestador', o ISSQN, ainda que o serviço fosse prestado em outro Município.

Neste diapasão e após longo debate no Congresso Nacional - o Projeto de Lei do Senado (PLS nº 161/89) é datado de 23.06.1989 e foi proposto pelo então Senador da República, Fernando Henrique Cardoso(21) - eis que se tem aprovada a nova lei regulamentadora do ISSQN.

A Lei Complementar nº 116, de 31 de Julho de 2003.

4 - A Lei Complementar Nº 116/2003

Consciente das questões envolvendo a necessidade de reformulação das linhas mestras do ISSQN, mormente porque o Decreto-lei vigente datava de 1968, defasado inclusive na quantificação e determinação dos serviços tributáveis, foi promulgada em 2003 a Lei Complementar nº 116.

A título informativo, a lista do DL 406 possuía cem (100) descrições de quais seriam os serviços tributáveis pelo imposto Municipal. A atual lista contida na LC 116 contempla uma gama de aproximadamente, duzentos e trinta (230) serviços que podem ser tributados pelo ISSQN.

Este não é o foco do presente trabalho, por isso, nos limitamos a essas brevíssimas informações.

Destarte, no intuito de normatizar, pacificar e delimitar o critério espacial, a supramencionada lei complementar, tratou especificamente em dois (2) de seus artigos a questão da definição de "estabelecimento prestador".

O artigo 3º manteve a intenção da antiga norma, porém aprimorou sua dicção ao dizer que "o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador, ou na sua falta no local do domicílio do prestador".

Houve um ganho de semântica, pois ficou claro que considera-se prestado e devido o imposto no local do estabelecimento prestador.

As exceções de que tratam este artigo, ficarão para momento próximo.

Contudo, a grande inovação do Imposto Sobre Serviços, relativamente ao local em que este é devido, está atrelada ao seu artigo 4º, assim redigido:

Art. 4o. Considera-se estabelecimento prestador o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas.

O clamor doutrinário foi ouvido pelo legislador. Este definiu de maneira clara, e para efeitos do imposto municipal em tela, o que se deve entender por estabelecimento prestador.

Desse modo, para a definição de estabelecimento prestador deve-se analisar a conjuntura dos fatos.

O estabelecimento deve ser considerado aquele em que: a) o contribuinte desenvolva a atividade de prestação de serviço, b) a atividade se desenvolva de modo permanente ou temporário e c) seja configurada uma unidade econômica ou profissional.

No intuito ainda de esclarecer, ficou determinado ser irrelevante que o estabelecimento tenha denominação específica de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contrato ou ainda qualquer outro tipo de rotulação que possa ser utilizado no sentido de se tentar desconfigurar a ideia de estabelecimento prestador.

Interessante notar, entretanto, que o estabelecimento deve configurar uma unidade econômica ou profissional, ainda que em caráter temporário.

Juntamente a isto, o artigo 3º, acompanhando ainda a exceção da construção civil, em que o imposto é devido no local da obra, excetuou mais serviços, como pode ser verificado abaixo:

Art. 3o O serviço considera-se prestado e o imposto devido (...), exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local:
I - do estabelecimento do tomador ou intermediário do serviço ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, na hipótese do § 1o do art. 1o desta Lei Complementar;
II - da instalação dos andaimes, palcos, coberturas e outras estruturas, no caso dos serviços descritos no subitem 3.05 da lista anexa;
III - da execução da obra, no caso dos serviços descritos no subitem 7.02 e 7.19 da lista anexa;IV - da demolição, no caso dos serviços descritos no subitem 7.04 da lista anexa;
V - das edificações em geral, estradas, pontes, portos e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.05 da lista anexa;
VI - da execução da varrição, coleta, remoção, incineração, tratamento, reciclagem, separação e destinação final de lixo, rejeitos e outros resíduos quaisquer, no caso dos serviços descritos no subitem 7.09 da lista anexa;
VII - da execução da limpeza, manutenção e conservação de vias e logradouros públicos, imóveis, chaminés, piscinas, parques, jardins e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.10 da lista anexa;
VIII - da execução da decoração e jardinagem, do corte e poda de árvores, no caso dos serviços descritos no subitem 7.11 da lista anexa;
IX - do controle e tratamento do efluente de qualquer natureza e de agentes físicos, químicos e biológicos, no caso dos serviços descritos no subitem 7.12 da lista anexa;
(...)
XII - do florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.16 da lista anexa;
XIII - da execução dos serviços de escoramento, contenção de encostas e congêneres, no caso dos serviços descritos no subitem 7.17 da lista anexa;
XIV - da limpeza e dragagem, no caso dos serviços descritos no subitem 7.18 da lista anexa;
XV - onde o bem estiver guardado ou estacionado, no caso dos serviços descritos no subitem 11.01 da lista anexa;
XVI - dos bens ou do domicílio das pessoas vigiados, segurados ou monitorados, no caso dos serviços descritos no subitem 11.02 da lista anexa;
XVII - do armazenamento, depósito, carga, descarga, arrumação e guarda do bem, no caso dos serviços descritos no subitem 11.04 da lista anexa;
XVIII - da execução dos serviços de diversão, lazer, entretenimento e congêneres, no caso dos serviços descritos nos subitens do item 12, exceto o 12.13, da lista anexa;
XIX - do Município onde está sendo executado o transporte, no caso dos serviços descritos pelo subitem 16.01 da lista anexa;
XX - do estabelecimento do tomador da mão-de-obra ou, na falta de estabelecimento, onde ele estiver domiciliado, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.05 da lista anexa;
XXI - da feira, exposição, congresso ou congênere a que se referir o planejamento, organização e administração, no caso dos serviços descritos pelo subitem 17.10 da lista anexa;
XXII - do porto, aeroporto, ferroporto, terminal rodoviário, ferroviário ou metroviário, no caso dos serviços descritos pelo item 20 da lista anexa.

Ao se analisar mais atentamente os motivos que levaram o legislador a expandir a lista de exceções, logo se conclui, tratarem-se de serviços os quais só podem ser prestados no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço.

Caracterizam-se por serem serviços cuja execução ou prestação só podem se efetivar no local onde é prestado.

Cite-se como exemplos claros: a) serviços de limpeza, de jardinagem, de decoração, de guarda, de segurança, de organização de festas, de demolição, de execução de obra etc.

Enfim, estes serviços só podem ser prestados onde estiver o tomador do serviço ou o contratante do serviço. Não há outra hipótese.

Analisando em sentido oposto, deixou claro nas entrelinhas o legislador, que os serviços não excepcionados pelo artigo 3º, certamente são prestados em um determinado estabelecimento prestador.

Significa que tais serviços, a maioria da lista, não necessariamente precisam ser prestados, efetuados ou elaborados diretamente ao tomador ou no seu domicílio.

Para exemplificar o caso, tratemos de uma empresa de informática estabelecida no Município A que desenvolve sistemas (sub-item 1.01 da lista de serviços) e elabora programas de computador (sub-item 1.03).

Por sua própria atividade nada impede que esta empresa capte clientes em diversos municípios (B, C, D,...), junto a diversas empresas, inclusive quanto aos diferentes ramos de atividades destas. Com propriedade, podem os representantes desta empresa de informática deslocar-se aos vários municípios e visitarem seus clientes.

A questão é. Onde estes serviços serão desenvolvidos? Seguramente onde a empresa possui seu estabelecimento prestador, i. é., Município A. Onde possua seus funcionários capacitados a desenvolverem sistemas e programas atendendo às necessidades específicas de cada cliente.

Esta empresa não necessita estar no estabelecimento de seu cliente (tomador do serviço) para desenvolver o sistema solicitado, pelo contrário, seguramente necessita de seu estabelecimento (Município A), onde estão seus técnicos capacitados a desenvolverem o sistema contratado.

É esta a grande inovação que a nova lei do ISSQN trouxe ao ordenamento jurídico tributário Municipal.

Há de se ter muito claramente o conceito de "estabelecimento prestador", e através desta firme convicção, indicar com segurança que determinado serviço está sendo prestado em determinado "estabelecimento" e não em outro.

Reportando ao exemplo acima, da empresa de informática, e ainda na seara exemplificativa, suponhamos que esta empresa, dado ao volume de clientes que amealhou em determinado Município (B), lá firme um novo estabelecimento prestador. Neste novo local tem capacidade de prestar o mesmo serviço - fique claro que nos reportamos ao serviço em si, não sua quantidade - que presta em sua matriz (Município A).

Ora, caracterizado está um novo estabelecimento prestador, ainda que o contribuinte o considere como mera extensão. É estabelecimento prestador, e está no Município B. Nele é devido o imposto, pelos serviços prestados por este estabelecimento.

Suponhamos ainda, que esta mesma empresa, no intento de captar mais clientes em determinado Município (C), diverso daquele em que se encontra seu estabelecimento (A), resolve durante dois (2) dias, deslocar parte de seus técnicos e desenvolver pequenos programas, a um custo reduzido, para todos que tenham interesse em conhecê-los.

Durante estes dois (2) dias, todo o serviço desenvolvido neste Município C, nele será devido o ISSQN. É serviço temporário e caracterizado como unidade econômica - serviu para angariar clientes -, seus técnicos lá estavam e lá desenvolveram os sistemas. Assim, a prestação efetivamente se deu no Município C.

Observa-se, portanto, a necessidade de análise acurada de cada caso, sob pena de se impor obrigação indevida ao contribuinte ou ao responsável tributário (tomador), na forma de retenção na fonte.

4.1 - Conceito de serviço (aspecto material)

Necessário se faz, neste ponto, que definamos, ainda que superficialmente, a conceituação de serviço.

Segundo Eduardo Sabbag(22) , serviços são "bens imateriais, de conteúdo econômico, prestados a terceiros".

Aires Barreto(23) , por seu turno, não concorda que para caracterização de serviço dê-se um conceito econômico, pois serviço não se vende, presta-se, faz-se, serviço "é a prestação de esforço humano a terceiros, com conteúdo econômico, em caráter negocial, sob regime de direito privado, tendente à obtenção de um bem material ou imaterial".

Portanto, para caracterizar o fato gerador do ISSQN, necessária a prestação de um serviço, mediante determinada remuneração, e destinada a um terceiro.

A celeuma ocorre entre se determinar em qual momento o serviço é efetivamente prestado. Num conjunto de atividades, encontram-se serviços intermediários (atividade-meio) necessários à completa prestação do serviço contratado (atividade-fim).

Neste sentido, atividade-fim é o serviço desejado pelo contratante (tomador do serviço), sendo que o prestador de serviços poderá desenvolver uma série de atividades-meio para atingir seu objetivo.

Exemplo citado por Guilherme Cezatori(24) relata o caso de um laboratório de análises clínicas, cuja atividade-fim é a 'análise clínica' dos dados coletados em diversos estabelecimentos da empresa em diferentes municípios. A simples coleta de material por estes estabelecimentos não lhes confere a característica de "estabelecimento prestador", pois a análise clínica dos materiais é efetuada apenas num único local, preparado e estruturado para analisar o material colhido. Os demais estabelecimentos servem para simples coleta de material, que sem análise clínica de nada servem.

Percebe-se que o imposto sob análise, possui nuances delicadas que devem ser analisadas sempre. E esta análise é custosa, trabalhosa e muitas vezes árdua. E nem sempre os aplicadores das leis municipais estão dispostos a efetuá-la.

4.2 - Retenção na fonte

Outra inovação da LC 116/2003, e que vinha sendo aplicado por alguns municípios com base no estipulado pelo artigo 121, inciso II do CTN(25) foi a introdução da possibilidade dos municípios atribuírem a terceiros a responsabilidade pela retenção do crédito tributário devido pelos prestadores.

Esta prerrogativa vem insculpida no artigo 6º da LC 116/2003 e seus parágrafos.

Ocorre que, pela norma contida no inciso II do parágrafo 2º, os tomadores (pessoas jurídicas) ficam obrigados a reter alguns serviços previamente estabelecidos.

Paralelamente a esta imposição legal, o caput do artigo 2º faculta a retenção em outros casos ao dizer que "sem prejuízo do disposto no caput e no § 1º deste artigo".

Muitos municípios entenderam que podem impor a retenção de quaisquer serviços prestados em seus territórios, indistintamente, pois obrigam o tomador a reter qualquer serviço que lhes sejam prestados, independente de verificação prévia de onde esteja situado o estabelecimento prestador do serviço.

Uma anomalia jurídica, posto que derruba por terra todo o esforço do legislador em determinar o critério espacial a ser seguido no recolhimento do ISSQN.

A postura desses municípios é bucólica.

Institui-se lei municipal e impõe-se a retenção na fonte. E pronto. Fácil e cômodo.

O terceiro, tomador do serviço, se vê obrigado a reter na fonte o imposto devido, sob pena de sofrer sérias penalidades por esta não retenção, com multas às vezes, superior à própria falta de recolhimento do imposto pelo prestador. Multas que chegam a 100, 150% do valor do imposto. Imposições nitidamente coercitivas.

O tomador, neste casos, é terceiro, quer mais o serviço prestado e fim. Retém sem titubear. E o contribuinte? Este fica à mercê dos fatos, pois não raras vezes é impelido pela lei de seu Município, a lá também recolher o imposto.

Indubitavelmente esta situação, representa ofensa aos princípios da legalidade e da territorialidade. Não se respeita a lei geral e se avança em imposto indevido.

4.3 - Exemplo Prático

Reestruturei a legislação tributária do Município de Catanduva (SP), elaborando, nos idos anos de 1998, juntamente com outros colaboradores, o novo Código Tributário do Município, o qual fui relator e principal estudioso.

Posteriormente a isso em 2004, com a edição da LC 116/2003, me debrucei sobre o assunto e reformulei a legislação (lei e decreto regulamentar) do ISSQN a fim de adequá-la a nova sistemática introduzida pela citada lei.

Na oportunidade, acompanhando a corrente legalista, na qual me filio, adaptei a legislação, como já dito.

O resultado foi uma legislação que não conflitasse com a regra matriz e que trouxesse benefícios ao Município, atentando inclusive aos dissabores pelos quais, já vislumbrava, passariam os contribuintes.

A legislação municipal de Catanduva (SP) prevê exatamente que deve ser recolhido no Município os serviços prestados por pessoas jurídicas cujo estabelecimento prestador aqui se encontre, bem como os serviços descritos como exceção a este princípio, que devem ser recolhidos no local da prestação, em detrimento de seu estabelecimento prestador.

E mais, a retenção na fonte, abarca os casos de exceção, ou seja, o tomador do serviço (pessoa jurídica) estabelecido em Catanduva (SP) deve reter os serviços elencados por lei como devidos no local de sua prestação.

O tomador igualmente deve reter os serviços contratados de prestadores estabelecidos no Município de Catanduva (SP) e que lhes prestem serviços, como forma de facilitar e centralizar os recolhimentos devidos, galgado na redação do caput do parágrafo 2º do artigo 6º da LC 116/2003.

Assim, o imposto devido no Município de Catanduva (SP) por prestador cujo 'estabelecimento prestador' lá se localize, e prestando serviço a pessoa jurídica também lá estabelecida, simplesmente tem sua forma de recolhimento alterada, do contribuinte para o responsável, no caso, o tomador.

Esta posição do Município de Catanduva (SP) gera incontáveis melhorias ao contribuinte. Garante a ele a certeza de cumprimento da lei genérica e facilita a vida dos pequenos contribuintes que muitas vezes não são bem organizados em questões contábeis.

Gera principalmente segurança jurídica.

Há de se fazer redenção e enaltecer o trabalho efetuado pelo Fisco do Município, que bem preparado, previne situações, fiscaliza, instrui e atua incansavelmente na busca de um correto atendimento à legislação Municipal.

Se há necessidade de caracterizar determinado prestador como estabelecido no Município, o Fisco Municipal não se faz de rogado e trabalha neste sentido. Não havendo que se exigir o imposto no Município, este não lhe é cobrado indevidamente.

Tal fato demonstra que, seguindo as regras genéricas trazidas pela lei de regência federal em consonância com um corpo fiscal conhecedor da matéria, é possível se obter aumentos na arrecadação, cumprir com a legislação e respeitar a segurança jurídica inerente ao ISSQN.

Para fins didáticos colaciono dois gráficos com a evolução na arrecadação do ISSQN entre 2002-2007.

Interessante observar pelos gráficos, que em Julho de 2004 foi instituída a retenção na fonte no Município, fato que elevou gradualmente a arrecadação numa constante progressão.

Em suma, está comprovado a desnecessidade de extravasar competências tributárias, há sim que se conhecer bem a norma, aplicá-la de maneira correta e clara e possuir um Fisco atuante, conhecedor e atualizado com a matéria.

5 - A nova visão que se inicia no STJ

Em termos jurídicos, podemos dizer que a LC 116/2003 é relativamente nova. Escassos os casos que chegaram ao Superior Tribunal de Justiça para análise, mormente quanto à questão em estudo, qual seja, o local onde é devido o ISSQN.

Atualmente, a mais ferrenha estudiosa no STJ sobre o assunto, tem se demonstrado a Ministra Eliana Calmon, não significando dizer que outros Ministros não tenham se posicionado a respeito, como o Ministro Castro Meira, ambos integrantes da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Por seus posicionamentos, que abaixo transcreveremos, percebe-se o iniciar de um novo ciclo de entendimento, sobre o local em que é devido o ISSQN. Posicionamento este, diametralmente oposto ao que vinha pacificado até o momento pelo Pleno do STJ, de que o ISSQN é devido em seu local de prestação, ignorando-se por completo o contido no artigo 12 do Dec.-lei 406/68.

Esta nova visão, que ao menos surge, lança uma esperança na saga interminável da determinação do local de incidência do ISSQN.

Referidos Ministros sinalizam uma salutar mudança em seus posicionamentos, como veremos adiante na reprodução de seus votos.

Ministra Eliana Calmon no REsp nº 1.175.980/CE:

A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON (Relatora): Ao proferir voto no REsp 399.249/RS, de relatoria do Ministro Peçanha Martins, assim me pronunciei sobre a questão, declinando entendimento que agora reitero:
Em relação ao mérito do ISS, confesso que, quando cheguei ao STJ, encontrei uma jurisprudência reiterada na Casa de que o imposto deveria ser recolhido no local da prestação de serviço. Adotei o entendimento, segundo a jurisprudência da Corte. Porém, verifiquei que esse entendimento era objeto de diversas críticas e as reuni para estudá-las, quando tivesse oportunidade de vir a julgar a tese. A oportunidade apareceu quando o Sr. Ministro Francisco Peçanha Martins relatou o REsp 252.114/PR. Ao examiná-lo, verifiquei que, efetivamente, a jurisprudência deste Tribunal está em testilha com o previsto no art. 12 do Decreto-lei 406/68. Essa é a maior queixa, porque, examinado o referido dispositivo, encontraremos:
Considera-se local da prestação de serviço:
(...).
Pode se verificar que o fato gerador ocorre sempre no local do estabelecimento da prestação de serviço ou onde está domiciliado o prestador de serviço; com a exceção prevista na alínea "b" - quando se referir à construção civil.
Preocupei-me, porque o entendimento pretoriano está em confronto absoluto com a lei. Examinei toda a jurisprudência anterior; verifiquei o primeiro acórdão do Ministro Demócrito Reinaldo, que deu a interpretação que veio a prevalecer nos anos anteriores; consultei a doutrina e encontrei a explicação: o problema está na Constituição.
Os juristas e os tributaristas mais autorizados: Roque Komatsu, Ives Gandra da Silva Martins Filho, Marçal Justen Filho e outros catalogados de uma série de artigos a respeito do ISS dizem que o grande problema é a Constituição afirmar, no seu art. 156, inciso III, que cabe ao Município cobrar o ISS. Por sua vez, o imposto incidente sobre a prestação de serviços realizados no seu território é criado por meio de uma lei municipal que obedece, por sua vez, a lei complementar. Assim, se ele é cobrado em um Município diverso daquele do local da prestação de serviço, estar-se-á dando à lei municipal o caráter de extraterritorialidade.
Tenho, então, dois dispositivos legais: um na Constituição, outro no Decreto-Lei 406/68. Qual deve prevalecer? Dizem os juristas que deve prevalecer a Constituição. Entretanto, cabe um segundo questionamento: se tenho uma norma infraconstitucional que está em testilha com a norma constitucional, devo argüir a inconstitucionalidade. Mas o problema é que o art. 12 do Decreto-lei 406/68 não é inconstitucional em relação a todos os serviços, mas somente quando o serviço é prestado fora do local do estabelecimento, porque, de um modo geral, as prestadoras de serviço realizam seu trabalho no local onde está sua sede. Excepcionalmente elas prestam o serviço fora desta sede. De forma que não se pode argüir a inconstitucionalidade do decreto por inteiro. (...)
A pergunta que fica é a seguinte: não seria bem mais razoável ficar com a norma infraconstitucional, com o Decreto-lei 406/68 e abandonar o dispositivo constitucional?
Pode parecer que sim, momentaneamente, mas se a Constituição é desobedecida aqui e acolá começaremos a abrir mão de garantias.
A conclusão de todos os tributaristas respeitáveis é no sentido de que não se pode ainda acusar o Superior Tribunal de Justiça de infringir a norma, porque a nossa jurisprudência está em sintonia com a Constituição.
(...)
Vale destacar que no caso dos autos os fatos geradores do ISS ocorreram antes da vigência da Lei Complementar 116/03, que em seu artigo 3º estabelece:
O serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, no local do domicílio do prestador, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, quando o imposto será devido no local.
Assim, mostra-se acertado o posicionamento do Tribunal de origem sobre a questão, não havendo como ser acolhida a pretensão. (sem grifos no original)

A explanação da Ministra é contundente. Diz que tem se debruçado sobre o assunto, e que se filia a tese colocada sobre o Dec.-lei 406/68, ressalvando ao final que os fatos geradores são anteriores à LC 116/2003, ou seja, seu posicionamento, pode ser revisto, mormente o contido no artigo 3º da LC 116/2003.

Em recente julgado da 1ª Seção do STJ, em 14.10.2009 no REsp nº 1.117.121/SP a Ministra em seu Voto novamente se posiciona acerca do assunto:

Sobre o tema a jurisprudência do STJ, ao tempo da vigência do Decreto-lei 406/68, era uníssona e reiterada no sentido de reconhecer que o ISS deveria ser recolhido no Município onde se deu o fato gerador do tributo, isto é, no local em que os serviços foram prestados (cf. REsp n. 886.148-BA, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 14/10/2008 e Ag. Reg. No Agravo 762.249-MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 28/9/2006, entre outros), (...)
(...)
Com a edição da Lei Complementar 116/2003 houve alteração de entendimento em relação ao local de recolhimento do ISS sobre os serviços prestados, porque foi profundamente alterado o artigo 12 do Decreto-Lei nº 406/68, revogado pelo novo diploma que, atendendo à reivindicação dos contribuintes, consignou o lugar da sede da empresa como o local de recolhimento do ISS. Entretanto, em relação à construção civil abriu uma exceção para considerar, como antes, o local da prestação do serviço, como deixa claro o teor do art. 3º da Lei Complementar nº 116/2003: (...) (sem grifos nos originais).
(...)
Assim, a partir da LC 116/2003, temos as seguintes regras:
1ª) como regra geral, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador, compreendendo-se como tal o local onde a empresa que é o contribuinte desenvolve a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação, contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas;
2ª) na falta de estabelecimento do prestador, no local do domicílio do prestador.
Assim, o imposto somente será devido no domicílio do prestador se no local onde o serviço for prestado não houver estabelecimento do prestador (sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação);
3ª) nas hipóteses previstas nos incisos I a XXII, acima transcritos, mesmo que não haja local do estabelecimento prestador, ou local do domicílio do prestador, o imposto será devido nos locais indicados nas regras de exceção.
Na questão em julgamento temos uma empresa com sede no Município de São Paulo, contratada pelo Município de Presidente Prudente PARA ALI REALIZAR UMA OBRA DE CONSTRUÇÃO. Dos diversos e complexos serviços uns foram executados na sede da empresa e outros no Município onde ficará a construção. (destaques originais)

Detalhes a destacar: a) o tempo verbal utilizado no início do Voto da Ministra ao dizer que a Jurisprudência do STJ "era uníssona e reiterada" e b) suas convicções demonstradas ao discorrer sobre a LC 116/2003 é incisiva quanto à nova metodologia adotada pelo legislador, sendo como regra devido o imposto onde se encontra seu estabelecimento prestador, na sua falta o domicílio do prestador e, nas hipóteses de exceção, onde o serviço é prestado.

A permanecer e imperar este novo posicionamento, a Ministra juntamente com seus pares no STJ garantem, em celebração ao princípio da legalidade, o cumprimento estrito da norma geral.

Denota-se que em idêntica posição vem se posicionando o Ministro Castro Alves, pois afirma que "a competência para cobrança do ISSQN, sob a égide do art. 12 do DL 406/68, era do local da prestação do serviço, o que foi alterado pelo art. 3º da LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço". Vide recentíssima Ementa:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial. Processual Civil. Lei de efeitos concretos. Mandado de Segurança preventivo. Cabimento. Fundamento não atacado. Súmula 283/STF. ISS. Fato gerador. Local da prestação dos serviços. REsp nº 1.139.903/GO. Relator: Min. Castro Alves. Brasília, DF, 3 de agosto de 2010.
(...)
2. A competência para cobrança do ISS, sob a égide do art. 12 do DL 406/68, era do local da prestação do serviço, o que foi alterado pelo art. 3º da LC 116/2003, quando passou a competência para o local da sede do prestador do serviço.
3. Na espécie, embora o Tribunal a quo tenha referendado a tese segundo a qual o ente tributante é aquele onde o serviço é prestado, o resultado da demanda não se alterará, caso se considere como critério delimitador da competência o local da sede do prestador do serviço. Isso porque, consoante registrado na origem, as afiliadas do sindicato impetrante prestam serviços em suas respectivas sedes.

4 - Recurso especial conhecido em parte e não provido.

Neste mesmo sentido o REsp nº 1.160.253/MG de relatoria do mesmo Ministro e julgado em 10 de agosto de 2010.

Vislumbra-se, assim, uma luz aos prestadores de serviços, no tocante à segurança jurídica, aos princípios constitucionais da legalidade e da territorialidade e ainda, a um posicionamento que caminha a dar guarida à estrita observância dos artigos 3º e 4º da Lei Complementar nº 116/2003.

Conclusão

Levando-se em conta as ilações expendidas durante o trabalho, podemos concluir que o entendimento a ser firmado acerca do conceito é no sentido de que "estabelecimento prestador" é o local onde os serviços foram prestados e, nesse contexto, a competência tributária é do Município onde ocorreu o fato imponível, ou seja, onde os serviços foram efetivamente consumados.

A dificuldade maior é justamente estabelecer e determinar o "estabelecimento prestador". Para isso devemos nos socorrer do conceito determinado expressamente pelo artigo 4º da LC 116/2003 e caracterizado o estabelecimento prestador, nesse local será devido o imposto.

As regras de exceção são transparentes e taxativas não cabendo espaço para interpretações e ilações sobre seu alcance.

É dever do legislador municipal observar e aceitar o conceito conferido pela LC 116/2003, em homenagem ao princípio da legalidade, posto que esta lei complementar em momento algum fora declarada inconstitucional.

Portanto, não sendo inconstitucional, sua observância é imperiosa. É norma infraconstitucional e como tal deve ser cumprida e observada.

O que não se pode coadunar e tampouco aceitar é que muitos Municípios alicerçados em leis contrárias ao espírito da LC 116/2003 imponham seus conceitos ao arrepio da norma geral e tipifiquem indistintamente qualquer prestador de serviço como estabelecidos em seus municípios, ainda que pela prestação de um único serviço.

Esta escola, capitaneada pelo Município de São Paulo (e aí valendo-se de seu poderio econômico e político), presta um desserviço à segurança jurídica necessária às relações tributárias.

Não é crível que para caracterizar forçosamente 'estabelecimento prestador' o prestador de serviço se veja obrigado a se inscrever, ainda que para um único serviço em determinado Município, sem que lá pratique sua atividade de prestar serviço.

Imperioso lembrar que este Município deverá ao menos caracterizar a "unidade econômica ou profissional".

Expugnável ainda, o posicionamento de outros Municípios que determinam, por imposição de suas leis municipais, a retenção na fonte por parte do tomador de quaisquer serviços que lhe sejam prestados, não importando se o imposto é devido no local da prestação ou no local onde se encontra caracterizado o estabelecimento prestador.

É certo que muitos prestadores buscam burlar e ludibriar os Fiscos, na intenção de pagarem menos impostos, porém não é correto, por parte dos Entes tributantes, que se tome a medida mais fácil e célere, isto é, impor a retenção na fonte ou obrigar compulsoriamente a caracterização do estabelecimento prestador a qualquer prestador. Deve ser analisado o local em que é devido o imposto.

Este é o trabalho do Fisco, buscar dentre os contribuintes, aqueles que estão tentando ludibriá-los.

A regra não merece se tornar exceção, como ocorre no entendimento do STJ acerca do Dec.-lei 406/68.

No afã de acalmar os ânimos, se escolheu pela solução mais prática e favorável aos grandes municípios: o ISSQN é devido onde prestado.

O artigo 12 do Dec.-lei, como bem salientou a Ministra Eliana Calmon, não foi declarado inconstitucional, logo desprezou-se evidentemente o princípio da legalidade, ao negar a este artigo vigência e observância.

Espera-se que com esta nova luz que surge das cátedras do STJ, esse assunto fique menos nebuloso e mais palpável, mais seguro do ponto de vista jurídico.

Afinal, com insegurança jurídica, principalmente sobre tributos, perdem todos, os contribuintes, os tomadores de serviços (que se vêem obrigados a reterem impostos muitas vezes indevidos), o ordenamento jurídico e a própria população, pois tem nesse impasse certamente que arcar, direta ou indiretamente, com os custos dessa demanda infindável.

Notas

(1) MARTINS, Ives G. da Silva, PEIXOTO, Marcelo M. (coords). ISS LC 116/2003. Curitiba: Juruá, 2004, p. 285.

(2) O STF assentou posicionamento que o Dec.-lei 406/68 foi recepcionado como lei complementar. Neste sentido a ementa do RE 224.760/RJ. Relator Ministro Ilmar Galvão, 1º Turma.

(3) BARRETO, Aires Franco. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003, p. 9.

(4)http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/indicadores_sociais_municipais/tabela1a.shtm

(5) MARTINS, Ives G. da Silva, PEIXOTO, Marcelo M. (coords). ISS LC 116/2003. 22. ed. Curitiba: Juruá, 2004, pp. 157-156.

(6) MACHADO, Rodrigo B. (coord.). ISS na Lei Complementar nº 116/2003. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 251.

(7) BARRETO, Aires Franco. ISS na Constituição e na Lei. 1ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 106.

(8) MELO, José E. Soares de. Impostos sobre serviços de qualquer natureza - ISS. Material da 3ª aula da disciplina Sistema Constitucional Tributário: Impostos em Espécie, ministradas no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Tributário - Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG, p. 3.

(9) SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 928.

(10) MENDONÇA, José X. Carvalho de. Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. III, tomo I. Campinas: Russel Editores, 2003, p. 22.

(11) XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1998, pp. 548-549.

(12) TORRES, Heleno T. Pluritributação Internacional sobre as Rendas das Empresas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 223.

(13) BROALLIER, Pierre. Les Succursales des Établissements Industriels et Commerciaux. Lion: Imprimerie Express, 1926, pp. 11 e 15.

(14) BRITO, Edvaldo, Legislação e Jurisprudência Fiscal, Parecer "ISS - Domicílio Fiscal", Salvador: 1974, p. 99.

(15) Instituída com a mesma característica das leis complementares do ISSQN, pois tem força normativa geral, obrigando todos os Estados do Brasil a limitarem-se em seu conteúdo e alcance.

(16) MORAES, Bernardo R. de. Doutrina e Prática do Imposto sobre Serviços. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1975, pp. 487, 489.

(17) MACHADO, Rodrigo B. (coord.). ISS na Lei Complementar nº 116/2003. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 28.

(18) BARRETO, Aires Franco. ISS na Constituição e na Lei. São Paulo: Dialética, 2003, pp. 255-256.

(19) FILHO, Marçal Justen. O Imposto sobre Serviços na Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1958, p. 147.

(20) MELO, José Eduardo Soares de. Aspectos teóricos e Práticos do ISS. São Paulo: Dialética, 2000, p. 115.

(21) http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=1484.

(22) SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 926.

(23) BARRETO, Aires Franco. ISS na Constituição e na Lei. 1ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 240.

(24) MARTINS, Ives G. da Silva, PEIXOTO, Marcelo M. (coords). ISS LC 116/2003. Curitiba: Juruá, 2004, p. 222.

(25) Art. 121. (...).

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

(...)

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Referências

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Fernando Martins de Sá*

- Publicado pela FISCOSoft em 23/05/2011


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